Rio de Janeiro – Indenizatória. Autora que promoveu a alteração de seu prenome. Desatualização dos dados no cadastro interno da ré. Imposição de obstáculos à devida alteração. Direitos fundamentais das pessoas transexuais à identidade, à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana, ao reconhecimento perante a lei, à intimidade e à privacidade, à igualdade, a não discriminação e à felicidade. Falha na prestação de serviço. Dano moral caracterizado. 1. Trata-se de ação indenizatória, na qual pretende a autora a condenação da ré no pagamento de verba compensatória no valor de R$25.000,00, ao argumento de que, em que pese ter logrado êxito em alterar seu nome e prenome judicialmente, sofreu grande constrangimento na loja ré, quando se identificou no caixa e a atendente a questionou sobre sua identidade, uma vez que seu cadastro estava desatualizado e ainda constava seu antigo nome. Aduziu que empreendeu diversas tentativas de alteração de seu nome nos cadastros da ré, sem obter êxito. 2. Sentença de procedência, condenando a parte ré a pagar indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00, contra qual insurge-se a ré, ao argumento de que os dados constantes de suas lojas físicas são automaticamente extraídos na SEFAZ no momento da inserção do número do CPF na maquininha, concluindo pela ausência de ato ilícito. De outro giro, a autora requer a majoração da verba compensatória. 3. O comparecimento da autora na loja ré, assim como a desatualização dos seus dados nos cadastros do estabelecimento, é incontroverso nos autos, cingindo-se a controvérsia quanto à configuração dos danos morais, bem como quanto à sua quantificação. 4. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, sobre a qual devem incidir as normas da Lei 8.078/90, mais especificamente, o preceito contido no caput de seu artigo 14, que consagra a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores de serviços, segundo a qual o consumidor é dispensado da demonstração da existência de culpa do fornecedor, bastando comprovar o dano sofrido e o nexo de causalidade. 5. Conforme entendimento do magistrado sentenciante, entendo que a tese autoral restou devidamente comprovada. Isso porque, a autora apresenta comunicação de ocorrência em sede policial narrando o fato, não se afigurando razoável exigir da consumidora, ante a hipossuficiência técnica da consumidora, qualquer outra prova. De se ressaltar a omissão da funcionária da ré, diante da desatualização dos dados cadastrais, em promover a sua correção. 6. Nesse contexto, não prospera a alegação da ré de que as informações de seus clientes não são fornecidas pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, concluindo ser esta a verdadeira responsável pelo equívoco no nome do autor. A nota fiscal acostada aos autos, de compra realizada em data anterior aos fatos, revela que os dados da demandante junto a Sefaz estão atualizados, constando do documento o nome social Raianny Almeida Carvalho. Ao contrário, a nota fiscal emitida pela loja física consta o nome antigo da autora, o que corrobora a tese autoral de que apenas o cadastro interno da ré encontra-se desatualizado. 7. Pelas mesmas razões, afasta-se a alegação de ilegitimidade passiva, já que, repisa-se, restou comprovado nos autos que os dados da autora foram retificados junto aos órgãos públicos, permanecendo desatualizados, no entanto, no cadastro interno da ré. 8. A própria ré afirma que procedeu, após o ajuizamento da presente demanda, à alteração requerida, passando a constar o nome da consumidora Raianny Almeida Carvalho vinculado ao respectivo CPF, conforme informações registradas na Receita Federal. 9. Por fim, o gerente da loja onde se deu o fato confirma, em depoimento pessoal, que o cadastro é interno e que seria possível realizar a mudança, o que afasta a alegação da ré de que não teria administração sobre seu cadastro interno. 10. A ré apelante, por sua vez, não trouxe aos autos qualquer prova quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral. 11. Logo, inafastável a conclusão a que chegou a sentença recorrida, no sentido da falha na prestação do serviço, tendo a ré oportunidade de atualizar o seu cadastro interno, mas não o fez. 12. Dano moral evidenciado. 13. O uso do nome social é uma das maneiras de garantir o respeito às pessoas transexuais, preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros, evitando constrangimentos públicos desnecessários, ao permitir a identificação da pessoa por nome adequado ao gênero com o qual ela se identifica. 14. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais à identidade, à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana, ao reconhecimento perante a lei, à intimidade e à privacidade, à igualdade e à não discriminação e à felicidade. 15. Verba compensatória fixada no patamar de R$ 5.000,00, que deve ser majorada para R$10.000,00, o que se afirma considerando as peculiaridades do caso, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 16. Desprovimento do recurso da ré e provimento do recurso da autora. (TJRJ – APL 00248149720218190014 202300156320, 1ª C. Dir. Priv., Rel. Mônica Maria Costa Di Piero, j. 10/10/2023).