TRF-3 – Ação civil pública. Direito à saúde e integridade física e psíquica. Atendimento médico e tratamento hormonal da população carcerária transexual. Morosidade do estado de São Paulo quanto ao devido acompanhamento clínico às transexuais. Necessidade de intervenção do poder judiciário. Agravo de instrumento parcialmente provido. 1 – Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, contra a r. decisão proferida pelo MM. Juízo da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo que, no bojo da Ação Civil Pública nº 5004074-30.2017.34.03.6100, deferiu a tutela antecipada de urgência para determinar que o Estado de São Paulo forneça gratuitamente à população carcerária transexual em geral o devido tratamento hormonal e, especificamente, às reclusas Taila (registrada como Willen Gabina da Silva), atualmente presa provisoriamente no Centro de Detenção Provisória de Pinheiro, e de Rodney Zulueta Lasala, presa na Penitenciária de Itaí, garantindo que o tratamento hormonal seja imediato e contínuo. 2 – A ação originária trata-se de Ação Civil Pública proposta contra a União Federal e o Estado de São Paulo com pedido de tutela antecipada visando obrigar os Entes Públicos a adotar medidas adequadas para efetivar o tratamento hormonal no caso específico das reclusas TAILA (registrada como Willen Gabina da Silva) e JIN (registrada como Roney Zulueta Lasala). 3 – A parte agravante, o Estado de São Paulo, sustenta a ausência de interesse de agir afirmando que o Estado de São Paulo já fornece tratamento hormonal a 08 (oito) presas transexuais que, através de atendimento médico especializado, tiveram o referido tratamento prescrito. Assim, não haveria recusa do Estado de São Paulo a prestação de atendimento médico de especialistas aos presos transexuais, uma vez que quando prescrito pelo médico o tratamento hormonal é fornecido. Referida preliminar não pode ser acolhida nesse momento processual, uma vez que o fato alegado pela parte depende de análise durante a instrução processual da Ação Civil Pública. Preliminar Rejeitada. 4 – O tratamento diferenciado às presas transexuais encontra devido amparo normativo. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação criaram a Resolução Conjunta nº 1/2014, a qual afirma que serão garantidos a manutenção do tratamento hormonal e acompanhamento específico de saúde à pessoa travesti, mulher ou homem em privação de liberdade. 5 – No caso em tela, apesar de não ser flagrante a total omissão do Poder Público, há evidências da sua morosidade no tratamento da questão, muitas vezes ocasionada por burocracia e deficiências estruturais, o que acaba acarretando em um não atendimento eficiente e rápido, trazendo sequelas para as reclusas transexuais, posto que com o decurso do lapso temporal aos poucos elas vão perdendo a identificação com o gênero correspondente à sua personalidade. Portanto, faz-se necessário determinar que o Estado efetive o atendimento adequado às pessoas transexuais, devendo ser cumprido o procedimento adequado com eficiência. 6 – O tratamento adequado às pessoas transexuais encontra amparo no princípio da dignidade da pessoa humana o qual é o alicerce dos direitos individuais e sociais, não havendo dúvidas que o direito à saúde, à vida digna, à integridade psíquica e à felicidade, estão diretamente relacionados a ele. Assim, justamente, para preservar a dignidade da pessoa humana, o tratamento hormonal só deve ser oferecido após regular procedimento e com prescrição médica. 7 – Determinar o fornecimento de tratamento hormonal às pessoas privadas de liberdade sem a observância de procedimento específico e sem demonstração de flagrante inércia do Estado quanto ao fornecimento de medicamento devidamente prescrito, seria violar o princípio da isonomia em relação às demais pessoas transexuais atendidas pelo Estado, bem como poderia acarretar sérios danos à saúde das reclusas se não for corretamente observado o procedimento, o qual demanda avaliações psicológicas e médicas. 8 – Assim, uma vez as reclusas manifestando o desejo de se submeterem ao tratamento hormonal, impõe-se a determinação de agendamento de consulta médica, caso ainda não tenha sido realizada, com urgência para avaliação e eventual prescrição de tratamento hormonal, o qual deverá ser fornecido gratuitamente pelo Estado, devendo o procedimento ser feito com celeridade. 9 – Cabe salientar que ao determinar que o Poder Público possibilite o atendimento adequado e, se for o caso, quando devidamente prescrito efetive o tratamento hormonal, o Poder Judiciário não viola o Princípio da Separação dos Poderes, uma vez que só está determinando que seja efetivada adequadamente uma política pública já prevista normativamente e que encontra amparo constitucional. Não se pode utilizar um princípio que foi criado com o objetivo de proteger direitos, para ser um obstáculo para a efetivação de direitos das minorias. 10 – Dessa maneira, diante de aparente morosidade do Estado quanto ao tratamento das reclusas transexuais, a qual traduz evidente risco de lesão aos direitos à saúde e à dignidade da pessoa humana, impõe-se a determinação para que o Estado forneça o devido acompanhamento clínico às transexuais, e, quando prescrito, disponibilize o tratamento hormonal. 11 – Agravo de instrumento parcialmente provido. (TRF-3 – AI 50075045420174030000, 4ª T., Rel. Marcelo Mesquita Saraiva, j. 21/08/2018).