Rio de Janeiro – Direito de Família. Reconhecimento de união estável homoafetiva post mortem. Artigo 1.723 do Código Civil. Interpretação conforme a Constituição Federal (ADIn 4277/DF). Requisitos. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277/DF e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, entendeu que o artigo 1723 do Código Civil deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal, excluindo-se do dispositivo qualquer significado que impeça o reconhecimento da união pública contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Resta apreciar a presença de alguns elementos básicos que caracterizam a união estável, quais sejam: a convivência contínua, duradoura e pública, com o caráter de entidade familiar. No que tange ao caráter público da relação, cabe salientar, como bem fez a magistrada de primeiro grau, que quando se trata de relações homoafetivas esse critério deve ser mitigado. De fato, muitos homossexuais preferem omitir de seus familiares e amigos sua orientação sexual, exercendo-a sexualidade de forma clandestina, existindo, ainda, os que passam toda uma vida tolhendo sua sexualidade por questões relacionadas à religião ou a uma moral conservadora. Por outro lado, embora a falecida R. não assumisse perante suas irmãs sua orientação sexual, os documentos trazidos aos autos dão conta de que a união com a autora tinha sim caráter de publicidade. As duas eram titulares de uma conta conjunta no Banco Itaú, sendo certo que na apólice de seguro do veículo ambas aparecem como condutoras. Além disso, há as fotografias e os inúmeros comprovantes de residência da autora na Avenida M., sendo certo que a prova testemunhal produzida também dá conta do caráter público e duradouro da união. No que tange ao caráter de continuidade da relação, irretocável a sentença. De fato, a magistrada considerou com muita precisão o documento de fls. 41/42 para definir o termo inicial da união. Trata-se de um telegrama, no qual a finada R. agradece à companheira S. os “quinze anos de alegria, amor e paz”. O telegrama é datado de 03/04/00, sendo forçoso concluir que o relacionamento iniciou-se, de fato, pelos idos de 1985. Quanto ao término da união, tenho que agiu com acerto a magistrada, considerando o ofício da Receita Federal informando que R. declarou a autora como sua dependente no imposto de renda até o ano de 2005. Além disso, há o depoimento da informante R. afirmando que viu a autora na companhia de outra pessoa já no ano de 2006 e o fato de que naquele ano R., irmã da finada, tenha ido residir com ela no apartamento. Destarte, a prova carreada aos autos está a indicar que o relacionamento entre a falecida e a autora era revestido das características da união estável, tendo perdurado de 1985 a 2005 conforme reconhecido na sentença. Do reconhecimento da união estável, advém o direito à partilha dos bens comprovadamente adquiridos durante a relação. Por fim, não merece guarida a alegação de que a autora não contribuiu para a formação do patrimônio, já que era hipossuficiente e não se fixava em emprego algum. De fato, em hipóteses que tais, presume-se, em razão do regime da comunhão parcial, que os bens onerosamente adquiridos na constância da união sejam resultado do esforço comum dos conviventes, sendo desnecessária a comprovação da participação financeira de ambos na formação do patrimônio. Saliente-se, também, que a jurisprudência vem se firmando no sentido de que o apoio emocional e afetivo também contribuem para a formação desse patrimônio, não sendo raro nas uniões homoafetivas que um dos conviventes cuide da casa enquanto o outro trabalha fora, à semelhança de algumas uniões heteroafetivas. Recursos aos quais se nega provimento. (TJRJ – AC 0006116-78.2009.8.19.0203, 3ª Câm. Cív., Rel. Mario Assis Goncalves, j. 30/04/2014).