20/08/1998

TRF-4 – Rio Grande do Sul – Administrativo. Constitucional, civil e processual civil – Justiça Federal. Justiça do Trabalho. Competência. Ausência de intervenção do Ministério Público. Nulidade. Inocorrência. Aplicação do art. 273 do CPC na sentença. Mera irregularidade. União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Reconhecimento. Impossibilidade. Vedação do § 3º do art. 226, da Constituição Federal. Inclusão como dependente em plano de saúde. Viabilidade. Princípios constitucionais da liberdade, da igualdade, e da dignidade humana. Art. 273 do CPC. Efetividade à decisão judicial. Caução. Dispensa. 1. Rejeitada a preliminar de incompetência da Justiça Federal para o feito, pois a inicial fala em ação declaratória de união estável, mas, na verdade, seu objeto principal é uma providência condenatória, qual seja, a inclusão de dependente em plano de saúde. Ademais, a presença da CEF no pólo passivo não deixa dúvidas sobre a competência da Justiça Federal. 2. A Justiça do Trabalho não é competente para processar e julgar o feito, pois a discussão dos autos não está ligada ao vínculo de emprego, e sim à aplicação das regras referentes ao sistema de Seguridade, a relação segurado-aposentado do plano de saúde mantido pelos réus. 3. A ausência de intervenção do Ministério Público no feito não é causa de sua nulidade, pois os autores são plenamente capazes e não há pedido específico de declaração de união estável, embora tenha sido assim nominada a ação; ausentes, portanto, as hipóteses dos arts. 82 e 84 do CPC. 4. O fato do juízo monocrático ter proferido decisão conjunta – de mérito e sobre o pedido de antecipação de tutela – não implica na nulidade da sentença, constituindo mera irregularidade, que ademais não causou prejuízo às rés. 5. Mantida a sentença que extinguiu o feito em relação ao pedido de declaração da existência de união estável entre os autores, pois, pelo teor do § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, tal reconhecimento só é viável quando se tratar de pessoas do sexo oposto; logo, não pode ser reconhecida a união em relação a pessoas do mesmo sexo. 6. A recusa das rés em incluir o segundo autor como dependente do primeiro, no plano de saúde PAMS e na Funcef, foi motivada pela orientação sexual dos demandantes, atitude que viola o princípio constitucional da igualdade que proíbe discriminação sexual. Inaceitável o argumento de que haveria tratamento igualitário para todos os homossexuais (feminino e masculino), pois isso apenas reforça o caráter discriminatório da recusa. A discriminação não pode ser justificada apontando-se outra discriminação. 7. Injustificável a recusa das rés, ainda, se for considerado que os contratos de seguro-saúde desempenham um importante papel na área econômica e social, permitindo o acesso dos indivíduos a vários benefícios. Portanto, nessa área, os contratos devem merecer interpretação que resguarde os direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de restar inviabilizada a sua função social e econômica. 8. No caso em análise, estão preenchidos os requisitos exigidos pela lei para a percepção do benefício pretendido: vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas. Ademais, não há que alegar a ausência de previsão legislativa, pois antes mesmo de serem regulamentadas as relações concubinárias, já eram concedidos alguns direitos à companheira, nas relações heterossexuais. Trata-se da evolução do Direito, que, passo a passo, valorizou a afetividade humana abrandando os preconceitos e as formalidades sociais e legais. 9. Descabida a alegação da CEF no sentido de que aceitar o autor como dependente de seu companheiro seria violar o princípio da legalidade, pois esse princípio, hoje, não é mais tido como simples submissão a regras normativas, e sim sujeição ao ordenamento jurídico como um todo; portanto, a doutrina moderna o concebe sob a denominação de princípio da juridicidade. 10. Havendo comprovada necessidade de dar-se imediato cumprimento à decisão judicial justifica-se a concessão de tutela antecipada, principalmente quando há reexame necessário ou quando há recurso com efeito suspensivo. Preenchidos os requisitos para a concessão da medida antecipatória, autoriza-se o imediato cumprimento da decisão. No caso em análise, estão presentes ambos os requisitos: a verossimilhança é verificada pelos próprios fundamentos da decisão; o risco de dano de difícil reparação está caracterizado pelo fato de que os autores, portadores do vírus HIV, já começam a desenvolver algumas das chamadas doenças oportunistas, sendo evidente a necessidade de usufruírem dos benefícios do plano de saúde. Ademais, para os autores o tempo é crucial, mais que nunca, o viver e o lutar por suas vidas. O Estado, ao monopolizar o poder jurisdicional, deve oferecer às partes uma solução expedita e eficaz, deve impulsionar a sua atividade, ter mecanismos processuais adequados, para que seja garantida a utilidade da prestação jurisdicional. 11. Dispensados os autores do pagamento de caução (§ 3º do art. 273 do CPC), cuja exigência depende do prudente arbítrio do juiz e cuja dispensa não impede que os autores, se vencidos, respondam pelos danos causados pela medida antecipatória. No caso dos autos, devem ser dispensados os autores da caução, face à evidente ausência de condições, tanto de saúde quanto financeiras, já que são beneficiados pela Assistência Judiciária Gratuita e, certamente, não são poucas as suas despesas com a doença. 12. Apelações improvidas. (TRF-4 – AC 96.04.55333-0/RS, Rel. Marga Barth Tessler, j. 20/08/98).

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