09/03/2021

STJ – Administrativo e processual civil. Agravo interno. Transexual nas forças armadas (aeronáutica). Discriminação após cirurgia de adaptação de sexo. Imposição de reforma ex ofício por invalidez permanente para o serviço militar. Nulidade do ato. Direito a promoções e aposentadoria integral como se na ativa estivesse. Permanência em imóvel funcional até o cumprimento da determinação judicial. Deferimento de liminar. Decisão posterior acerca do processo principal. Aresp 1.552.655/DF. Perda do objeto. Cuida-se de Agravo Interno da União contra decisão monocrática que deu provimento ao Agravo Interno da autora, para reconsiderar a decisão monocrática e deferir o pedido de tutela provisória de urgência, garantindo-lhe o direito de ocupação do imóvel funcional – nos termos do acórdão da origem – até que seja implantada a aposentadoria no posto de Suboficial, vedando, ainda, que se imputem multa/abatimentos pela não desocupação do imóvel. 2. A União, nas razões do Agravo Interno, apresenta 5 (cinco) teses a favor da reforma da decisão monocrática: a) incompetência do STJ para analisar o pleito, uma vez que é ele da competência do juízo do cumprimento de sentença (art. 516, II, CPC); b) a matéria (o posto a que faz jus a recorrida) não foi devolvida ao STJ, pois inexiste recurso da autora; c) a decisão monocrática implica reformatio in pejus, pois concede à recorrida algo que não lhe foi deferido na origem; d) inexiste direito da autora à aposentadoria no posto de Suboficial, pois a ascensão a ele dependia de outros requisitos além do tempo; e e) caso seja mantida a decisão, que seja reconhecido o seu caráter precário, para que o tema volte a ser debatido na origem. 3. Preliminarmente, observo que não há incompetência do STJ para apreciar o pleito cautelar veiculado pela agravada na Petição. No curso da ação principal, a Aeronáutica exigiu da autora a devolução do imóvel funcional sem, antes, implantar adequadamente a aposentadoria como lhe foi ordenado como condição para tanto. Afinal, conforme a decisão recorrida e a fundamentação dos acórdãos da origem, a agravada teria direito de ser aposentada como Suboficial, porém, foi aposentada no posto de Cabo, o que contraria o comando do título, verbis (destaques acrescentados): “(…) Deve ser reconhecido o direito da autora às eventuais promoções por tempo de serviço no período em que esteve ilegalmente afastada do serviço castrense, pois ela é considerada, para todos os efeitos, como em efetivo serviço, por expressa previsão legal. (…) O art. 98, inciso I, alínea c do Estatuto dos Militares determina a transferência para a reserva remunerada ex ofício, sempre que o militar do quadro de Praças atingir idade-limite de 54 anos para graduação no último posto possível da carreira, Subtenente.” 4. Dessa forma não há falar em reformatio in pejus, porque, diante da notícia de violação do direito da agravada de permanecer no imóvel antes de ser adequadamente aposentada, a decisão recorrida (e também proferida monocraticamente no AResp 1.522.655-DF) simplesmente fez cumprir o que foi reconhecido, ainda que incidentalmente, pelo Tribunal de origem. 5. Em sendo assim, razoável que a agravada reclamasse diretamente a este Tribunal, com arrimo no art. 299, parágrafo único, do CPC, o direito de permanecer no imóvel (e isentar-se das multas e abatimentos aplicados por não devolvê-lo), mormente diante da inexistência de informação de que, na origem, já se esteja a exigir o cumprimento do julgado. Vale lembrar que o poder geral de cautela dos juízes, diante de urgências extremas, não encontra limites nas regras de competência da legislação processual civil, sendo lícito, portanto, a qualquer órgão julgador assegurar à parte necessitada de direito a sua proteção ante à presença de fumus boni iuris (patente de Suboficial indicada no acórdão da origem) e periculum in mora (risco de perda do imóvel). 6. Também pelo fundamento supra afasta-se o argumento da União de que o STJ não podia enfrentar a questão, diante do âmbito da devolutividade do recurso interposto, já que inexiste recurso da autora sob o crivo desta Corte. Ao amparar o direito da autora, o que se fez foi simplesmente garantir-lhe a permanência no imóvel funcional diante da implantação equivocada de sua aposentadoria, algo que não se compreende no âmbito da devolutividade recursal, mas sim do poder geral de cautela do juiz (arts. 300 e 301 do CPC). 7. De todo modo, importante consignar, no tocante ao posto no qual deve a recorrida ser aposentada, que nos autos principais (AgInt no AResp 1.522.655-DF) manteve-se a aposentadoria da agravada como Suboficial, mas apenas precariamente – como sói ocorrer nas medidas cautelares -, até que o juízo competente para o cumprimento de sentença (art. 516, II, do CPC), em ambiente de pleno contraditório, analise o título executivo e a legislação que cuida do tema, a fim de definir se o posto da aposentadoria deve ser o de Terceiro Sargento ou o de Suboficial, afastada desde já a efetivada aposentadoria da autora no posto de Cabo engajado (manifestamente ilegal). 8. Por fim, nos autos dos quais deriva o presente pleito cautelar (AREsp 1.552.655/DF) foi proferida decisão de mérito, publicada em 26 de maio de 2020, reconhecendo o direito da agravada a permanecer no imóvel até que seja definido o seu direito de aposentadoria integral no posto de Suboficial. Assim, como há pronunciamento definitivo nesta Corte sobre o tema aqui discutido – isto é, o direito da recorrida de permanecer no imóvel funcional até ser definido o seu direito de obter a aposentadoria no posto de Suboficial, nos termos das decisões da origem – tem-se que a presente medida cautelar e, consequentemente, o Agravo Interno interposto estão prejudicados, pois não há mais tutela provisória pendente, tendo em vista a decisão proferida no AResp 1.552.655/DF. 9. Agravo Interno não conhecido. (STJ – AgInt no AgInt na Pet 12852 DF 2019/0217325-1, 2ª T. Rel. Min. Herman Benjamin, j. 09/03/2021)

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