Juiz federal do DF altera decisão que liberou cura gay e restabelece normas do Conselho de Psicologia
Por Mateus Rodrigues e Raquel Morais, G1 DF
A Justiça Federal no Distrito Federal alterou, nesta sexta-feira (15), decisão emitida em setembro deste ano que derrubava uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e abria espaço para tratamentos e terapias de conversão sexual – o que ficou conhecido popularmente como cura gay.
A nova decisão prevê que pessoas com orientação sexual egodistônica – ou seja, que veem a própria orientação sexual como uma causa de sofrimento e angústia – podem receber atendimento em consultórios, e que profissionais podem promover estudos sobre o tema.
No entanto, fica proibido fazer propaganda ou divulgação de supostos tratamentos, com intuitos publicitários, respeitando sempre a dignidade daqueles assistidos. A decisão é assinada pelo juiz federal Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal no DF – o mesmo da sentença original.
O G1 aguarda retorno do Conselho Federal de Psicologia, e tenta contato com os psicólogos que respondem pela ação popular. Cabe novo recurso.
Na decisão, o magistrado também restabelece, na íntegra, a validade da resolução 1/1999 do CFP. No artigo 3º, o conselho federal determina que os psicólogos não podem patologizar – ou seja, tratar como doença –comportamentos ou práticas homoeróticas. Também não podem adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual representam uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer embasamento científico. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde.
O que diz cada documento?
A resolução do CFP
A discussão sobre a possibilidade de reorientação sexual (ou cura gay) é baseada nessa resolução de 1999 do CFP. No texto, consta que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão, e que a função dos psicólogos é contribuir para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações.
Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades, diz o texto do conselho federal.
O documento também proíbe que psicólogos façam pronunciamentos públicos em sentido contrário – ou seja, reforçando preconceitos em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
A sentença de setembro
Na primeira sentença sobre o tema, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho não derruba a resolução do CFP, mas diz que alguns dispositivos podem ser mal interpretados – por exemplo, no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual.
O uso do termo reorientação sexual, segundo o CFP e ativistas de direitos humanos, abriria brecha para terapias de reversão sexual. Na época, Carvalho emitiu nota afirmando que a interpretação era equivocada, e que não considerava a homossexualidade como doença.
Ao atender parcialmente à ação popular, o magistrado determinou que o CFP não interpretasse a própria resolução, de 1999, de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria.
A sentença de dezembro
No documento mais recente, Carvalho volta a analisar os mesmos temas. Ao comentar a repercussão do caso, diz que a ação popular não busca a promoção da propalada cura gay, consistente na adoção de ações coercitivas tendentes a orientar homossexuais para tratamentos por eles não solicitados.
O magistrado também reforça a declaração anterior de que a homossexualidade, em si, [não é] uma doença, tampouco um transtorno passível de tratamento. Segundo ele, o que seria passível de tratamento – com base na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde, seria a egodistonia.
Ora, não cabe a esse Juízo dizer sequer se existe e muito menos qual o tipo de terapia seria mais adequada para esses conflitos de ordem psicológica e comportamental, mas também não pode, por outro lado, deixar desamparados os psicólogos que se disponham [...], diz a decisão.
Já na parte final da sentença, ao tratar da interpretação dada à resolução do CFP, o juiz federal usa novos termos. Em vez de (re)orientação sexual, autoriza debates, estudos, pesquisas e atendimentos ligados à orientação sexual egodistônica.
Defensores da reversão sexual
Em decisão liminar de 15 de setembro, Carvalho acatava o pedido de três psicólogos. Todos eles foram denunciados ao Conselho de Psicologia nos últimos cinco anos por fazer terapia para que gays e lésbicas deixassem de ser homossexuais.
Uma das profissionais era Rozangela Alves Justino, que atualmente trabalha como assessora parlamentar do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Rozângela chegou a ser punida em 2009.
Na época, ela disse ao G1 que considerava a homossexualidade um distúrbio, provocado principalmente por abusos e traumas sofridos durante a infância. Ela afirmou ter aliviado o sofrimento de vários homossexuais.
Na decisão desta sexta, o juiz Waldemar Claudio de Carvalho negou um pedido desses psicólogos para suspender todos os processos éticos e disciplinares ligados à resolução do CFP. Com isso, os processos seguem tramitando.
Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/juiz-federal-do-df-altera-decisao-que-liberou-cura-gay-e-restabelece-normas-do-conselho-de-psicologia.ghtml