28/01/2020

Rio de Janeiro – Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por dano moral. Autora portadora de incongruência de gênero. Negativa de cobertura dos procedimentos que integram a cirurgia de transgenitalização ou redesignação sexual. Sentença de procedência. Apelo do réu. A parte autora sofre com a incompatibilidade entre o sexo biológico e a identidade sexual na qual se reconhece emocional e psicologicamente e desde 24/04/2014 passa por tratamento com equipe multidisciplinar visando a melhora de seu estado de saúde. Apesar da sua condição genética e anatômica masculina, exerce a identidade de gênero feminina, sendo diagnosticada com transtorno de identidade de gênero ou disforia de gênero – transexualismo. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às relações jurídicas decorrentes de contrato de plano de saúde, conforme o enunciado 469 da súmula do Superior Tribunal de Justiça. A negativa de cobertura do procedimento cirúrgico por parte do plano de saúde, ora apelante, foi manifestamente abusiva e afronta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e o direito à preservação da saúde e à vida. Laudos multidisciplinares (médicos, sociais e psicológicos) que atestam a imprescindibilidade do tratamento prescrito, não havendo razão para sua negativa. Entendimento dos médicos que acompanham a paciente que deve prevalecer, à luz do Verbete Sumular 211. Intervenção cirúrgica que não é meramente estética, como alegado, mas parte integrante do tratamento médico e que constitui importante meio de preservação da saúde física e mental da pessoa transexual, diante da realidade de um contexto social em que a transexualidade é marginalizada, estigmatizada e expõe a pessoa trans, muitas vezes, a atos de violência física e moral. Observância dos Princípios de Yogyakarta, que exprimem postulados sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero, dentre eles o princípio 17, que estabelece o direito ao padrão mais alto alcançável de saúde. O fato de os procedimentos solicitados constarem como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, de acordo com o rol de procedimentos da Resolução Normativa 387/15, mas, não integrar o mesmo rol a indicação feita pelo médico assistente, de transgenitalização, não é suficiente para excluir a cobertura quanto aos procedimentos, considerando que tal rol é meramente exemplificativo. A injustificada recusa do plano de saúde de cobertura do procedimento necessário ao tratamento da segurada gera dano moral porque tal abusividade contra pessoa que necessita de cirurgia para complementar o tratamento de redesignação sexual iniciada com o tratamento hormonal causa abalo aos direitos da personalidade. O valor arbitrado a título de compensação por dano moral fixado, R$5.000,00 (cinco mil reais), encontra-se em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, atendendo ainda aos aspectos punitivos e pedagógicos necessários a repelir e evitar tais práticas lesivas aos consumidores. Conhecimento e desprovimento do recurso. (TJRJ – APL 00060379420178190211, 8ª Câm. Cív. Rel. Cezar Augusto Rodrigues Costa. j. 28/01/2020).

plugins premium WordPress