05/03/2008

TRF-2 – Rio de Janeiro – Constitucional e administrativo – Pensão estatutária – Concessão – Companheiro homossexual – Lei de regência – Lei nº. 8.112/90 (art. 217, i, “c”) – Designação expressa – Dispensa – Dependência econômica do companheiro – Presunção – Art. 241, da lei nº. 8.112/90 – União estável homossexual – Natureza de entidade familiar – Art. 226, § 3º c/c art. 5º, caput e art. 3º, IV, da constituição – Comprovação – Meios idôneos de prova – Atrasados – Termo inicial – Data do óbito do instituidor – Cumulação de aposentadoria de servidor com duas pensões estatutárias de médico – Impossibilidade – Vedação à cumulação tríplice de estipêndios – Direito à cumulação com apenas uma das pensões. I – A atual Constituição não vinculou a família ao casamento, pois abarcou outros modelos de entidades familiares. Porém, essa pluralidade de entidades não se esgota nas uniões estáveis (art. 226, § 3º) e nas famílias monoparentais (art. 226, § 4º), pois o conceito de família não se restringe mais à união formada pelo casamento, visando à procriação; hodiernamente, sendo a afetividade o elemento fundante da família, outras formas de convivência, além da proveniente do modelo tradicional, devem ser reconhecidas, como, por exemplo, as uniões homossexuais. II – Ainda que não haja previsão legal para o reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares, devem ser respeitados os princípios e garantias fundamentais da Constituição, cujas normas não podem ser analisadas isoladamente, devendo se subsumir completamente aos princípios constitucionais para obter seu sentido último. III – Observe-se que a própria Constituição veda a discriminação (art. 5º, caput), inclusive a fundada na orientação sexual do indivíduo, hipótese de diferenciação que, por resultar da combinação dos sexos das pessoas envolvidas, é, por isso, apanhada pela proibição de discriminação por motivo de sexo. Outrossim, ao reconhecer a dignidade da pessoa humana como um de seus elementos centrais e fundantes, o Estado Democrático de Direito, além de proteger os indivíduos de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, promete a promoção positiva de suas liberdades. IV – O legislador constituinte adotou, ainda, o princípio da igualdade de direitos, sendo pacífico na doutrina que, dependendo das inúmeras diferenças existentes entre as pessoas e situações, poderá haver tratamento desigual para elas, desde que essa diferenciação seja fundada em justificativa racional. No caso das uniões homossexuais, não há justificativa racional, mas verdadeiro preconceito, o qual não tem o condão de legitimar a diferenciação por orientação sexual, especialmente em face da norma inserta no art. 3º, IV, que o proíbe expressamente. V – Não se pode, assim, negar o caráter de entidade familiar das uniões homossexuais alicerçadas no amor mútuo, na convivência pública e duradoura e na assistência recíproca, sendo inadmissível que tais uniões, por serem formadas por pessoas do mesmo sexo, sejam tratadas como meras sociedades de fato, sem a possibilidade de equiparação ao companheirismo. VI – A designação expressa, contida no art. 217, I, “c”, da Lei nº. 8.112/90, visa tão-somente a facilitar a comprovação, junto ao órgão administrativo competente, da vontade do(a) falecido(a) servidor(a) em indicar o companheiro, ou companheira, como beneficiário da pensão por morte, sendo, portanto, desnecessária caso a comprovação da união estável venha a ser suprida por outros meios idôneos de prova. VII – Em nenhum momento, a Lei nº. 8.112/90 estabelece que o companheiro somente fará jus à pensão estatutária se comprovar, além da designação expressa e da união estável como entidade familiar, a dependência econômica com relação ao instituidor. Ademais, se o companheiro que comprove união estável como entidade familiar se equipara ao cônjuge, nos termos do parágrafo único do art. 241, é certo que, assim como ele, está dispensado de comprovar tal dependência. VIII – Consoante o art. 40, § 6º, da Constituição de 1988, é vedada a percepção de proventos decorrentes de mais de uma aposentadoria, exceto quando os cargos são acumuláveis na atividade, por possuírem compatibilidade de horários, conforme descritos nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso XVI do art. 37 da Constituição. IX – Essa regra também se aplica às pensões estatutárias, de modo que a percepção simultânea de duas pensões, autorizada pela Lei nº. 8.112/90 (art. 225), somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, conforme estabelecido pela Constituição. X – O instituidor das pensões pleiteadas percebia duas aposentadorias à conta do regime da previdência dos servidores públicos, porque se enquadrava na hipótese da alínea “c” do inciso XVI do art. 37 da Constituição, não havendo, em tese, óbice à cumulação dos dois benefícios pelo autor. No entanto, como o autor é aposentado pelo Ministério da Fazenda, e o nosso ordenamento jurídico veda a acumulação tríplice, vale dizer, a percepção simultânea de mais de dois estipêndios oriundos de cargos, funções ou empregos públicos, não faz jus à cumulação de sua aposentadoria com as duas pensões de médico instituídas por seu falecido companheiro, mas apenas com uma delas. XI – As parcelas atrasadas são devidas a contar da data do óbito do instituidor, pois a presente ação foi ajuizada menos de 5 (cinco) anos após o falecimento deste, não havendo se falar em prescrição, e, a teor do art. 215, da Lei nº. 8.112/90, a pensão é devida a partir da data do óbito do servidor. XII – Apelação da UNIÃO e remessa necessária desprovidas. (TRF-2 – AC 2005.51.01.020261-0, 7ª T. Esp., Rel. Sergio Schwaitzer, j. 05/03/2008.)

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