04/07/2007

TRF-2 – Rio de Janeiro – Constitucional e administrativo. Pensão estatutária. Concessão. Companheira homossexual. Lei de regência. Lei nº. 8.112/90 (art. 217, I, “C”). Designação expressa. Dispensabilidade. Dependência econômica da companheira. Presunção. Art. 241, da Lei nº. 8.112/90. União estável homossexual. Natureza de entidade familiar. Art. 226, § 3º C/C Art. 5º, caput e art. 3º, IV, da Constituição. Comprovação. Meios idôneos de prova. Atos administrativos. Presunção de legalidade e legitimidade pagamento. Atrasados. Termo inicial. Indeferimento do pedido na via administrativa. Verbas honorárias. Percentual. Redução. Art. 20, § 4º, do CPC. I – A atual Constituição não vinculou a família ao casamento, pois abarcou outros modelos de entidades familiares, como as uniões estáveis (art. 226, § 3º) e as famílias monoparentais (art. 226, § 4º). Porém, essa pluralidade de entidades familiares não se esgota nos modelos antes mencionados. O conceito de família não se restringe mais à união formada pelo casamento, visando à procriação, e, por tanto, limitada à heterossexualidade do casal, pois, hodiernamente, sendo a afetividade o elemento fundante da família, outras formas de convivência, além da proveniente do modelo tradicional, devem ser reconhecidas. II – Ainda que não haja previsão legal para o reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares, devem ser respeitados os princípios e garantias fundamentais da Constituição – um sistema aberto de princípios e regras (imperfeitas e inacabadas) que deve se manter vivo, atento à evolução da realidade -, cujas normas não podem ser analisadas isoladamente, devendo se subsumir completamente aos princípios constitucionais para obter seu sentido último. III – Observe-se que a própria Constituição veda a discriminação (art. 5º, caput), inclusive a fundada na orientação sexual do indivíduo, hipótese de diferenciação que, por resultar da combinação dos sexos das pessoas envolvidas, é, por isso, apanhada pela proibição de discriminação por motivo de sexo. Outrossim, ao reconhecer a dignidade da pessoa humana como um de seus elementos centrais e fundantes, o Estado Democrático de Direito, além de proteger os indivíduos de invasões legítimas de suas esferas pessoais, promete a promoção positiva de suas liberdades. lV – O legislador constituinte adotou, ainda, o princípio da igualdade de direitos, sendo pacífico na doutrina que, dependendo das inúmeras diferenças existentes entre as pessoas e situações, poderá haver tratamento desigual para elas, desde que essa diferenciação seja fundada em justificativa racional. No caso das uniões homossexuais, não há justificativa racional, mas verdadeiro preconceito, o qual não tem o condão de legitimar a diferenciação por orientação sexual, especialmente em face da norma inserta no art. 3º, IV, que o proíbe expressamente. V – Não se pode, assim, negar o caráter de entidade familiar das uniões homossexuais alicerçadas no amor mútuo, na convivência pública e duradoura e na assistência recíproca, sendo inadmissível que tais uniões, por serem formadas por pessoas do mesmo sexo, sejam tratadas como meras sociedades de fato, sem a possibilidade de equiparação ao companheirismo. VI – Tendo em vista a presunção de legalidade e legitimidade atribuída aos atos administrativos, presume-se, até prova em contrário, que a concessão de pensão previdenciária pelo INSS à autora, em razão do óbito de sua companheira, foi realizada em estrita observância à Lei, o que, aliado ao fato de os documentos constantes dos autos – como escritura pública declaratória de dependência econômica e de convivência more uxório há mais de 15 (quinze) anos, extrato bancário de conta-corrente em nome da falecida servidora (titular) e da autora (2ª titular) e contas telefônicas comprovando o mesmo domicílio – serem mais do que suficientes à comprovação da relação de companheirismo entre a autora e a falecida servidora, mais do que razoável é garantir àquela o direito à pensão por morte desta, a contar da data do indeferimento do pedido na esfera administrativa, conforme requerido na inicial. VII – A designação expressa, contida no art. 217, I, “c”, da Lei nº. 8.112/90, visa tão-somente a facilitar a comprovação, junto ao órgão administrativo competente, da vontade do (a) falecido (a) servidor (a) em indicar o companheiro, ou companheira, como beneficiário da pensão por morte, sendo, portanto, desnecessária caso a comprovação da união estável venha a ser suprida por outros meios idôneos de prova. VIII – Em nenhum momento, a Lei nº. 8.112/90 estabelece que a companheira somente fará jus à pensão estatutária se comprovar, além da designação expressa e da união estável como entidade familiar, a dependência econômica com relação ao instituidor. Ademais, se a companheira que comprove união estável como entidade familiar se equipara ao cônjuge, nos termos do parágrafo único do art. 241, é certo que, assim como ele, está dispensada de comprovar tal dependência. IX – Devido à simplicidade e a pouca repercussão da causa, não caracterizando a “importância” de que trata o Código de Processo Civil, bem assim por ter sido dispensável deslocamento ou exigido muito tempo do procurador para a prestação de seu serviço, reduzo o percentual arbitrado pelo juízo a quo a título de honorários advocatícios para 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, a teor do art. 20, § 4º, do CPC. X – Apelação e remessa necessária parcialmente providas. (TRF-2 – AC 388739, 7ª T. Esp., Rel. Sergio Schwaitzer, j. 04/07/2007).

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