Rio Grande do Sul – Concessão de medidas protetivas de urgência. Contexto doméstico e familiar contra a mulher. 1. Decisão interlocutória de indeferimento de medidas protetivas de urgência solicitadas para assegurar a integridade da vítima. Reforma. I- Decisão que indeferiu medidas protetivas de urgência em desfavor dos apelados fundamentada na ausência de vulnerabilidade e de violência de gênero, merece reforma. II- Contundentes indicativos de que os apelados são pessoas sem freios e que, sem medidas inibitórias, poderão colocar em risco a integridade física e psíquica da irmã. Isso porque há notícia de que Ângelo e Márcio, agrediram fisicamente e ameaçaram Cíntia que, temerosa, se viu obrigada a deixar a residência onde vivia com a genitora. Trata-se da apuração, portanto, de crimes graves, pois envolve a violência doméstica no âmbito doméstico e familiar no Brasil. III- A aplicação da Lei nº 11.340/2006 não se restringe aos conflitos envolvendo relação conjugal, tratando-se de legislação que visa proteger e coibir a violência baseada em gênero na esfera doméstica ou familiar. Referem Cruz e Simioni (2011, p. 189) que o conceito de comunidade familiar proposto pela norma é amplo, estando “abarcados maridos, companheiros, namorados, amantes, filhos, pais, padrastos, irmãos, cunhados, tios e avós (com vínculos de consanguinidade, de afinidade ou por vontade expressa)”. Abrange, portanto, uma variedade de laços de pertencimento no âmbito doméstico. IV- Outrossim, inquestionável que a Lei nº 11.340/2006 não estabelece qualquer limitação à orientação sexual ou de identidade de gênero da vítima. Nesse sentido, aliás, decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais, considerando que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também, como bem apontado pelo relator Ministro Rogerio Schietti Cruz. V- A fim de coibir a violência fundada em discriminação de gênero, fez-se necessária a criação de um regramento específico, configurando as medidas protetivas de urgência um destes instrumentos. Estão previstas nos artigos 22 a 24 e englobam, entre outras providências, o afastamento do agressor do local de convivência com a vítima, bem como proibições de, por exemplo, contato, por qualquer meio, ou de aproximação da ofendida, de familiares e de testemunhas, para preservar-lhes a integridade física e psicológica. Em razão de estas medidas protetivas não possuírem natureza acessória, considera-se desnecessária sua vinculação a outros procedimentos em tramitação, de modo que poderão ser deferidas pelo magistrado sem prévio inquérito ou processo-crime, perdurando enquanto houver situação de risco para a mulher. Logo, a concessão de medidas inibitórias para assegurar a integridade física e psíquica de Cíntia L. M. S., é medida que se impõe. 2. Lei Maria da Penha. Incidência. Requisitos preenchidos. A aplicação da Lei nº 11.340/2006 não se restringe à resolução de conflitos envolvendo relações conjugais, pois tutela e coíbe a violência baseada no gênero, praticada no âmbito doméstico ou familiar. Dinâmica fática que atraí a incidência da referida legislação, na medida em que os réus praticaram, em tese, lesão corporal e ameaça contra a irmã. Prática que ocorreu no contexto doméstico, com opressão de gênero. Outrossim, inquestionável que referida legislação não estabelece qualquer limitação à orientação sexual ou de identidade de gênero da vítima. Nesse sentido, aliás, decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais, considerando que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também. Apelações providas. Unânime. (TJRS – APR 00152876120218217000 2ª C. Crim., Rel. Viviane de Faria Miranda, j. 29/07/2022).